Nos deux vies: Àlvaro de Campos (« Dactilografia »)

Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Je trace tout seul, dans mon cubicule d’ingénieur, le plan,
Je signe le projet, isolé ici,
Eloigné même de qui je suis.

À côté, accompagnement banalement sinistre,
Le tic-tac éclaté des machines à écrire.
Quelle nausée de la vie!
Quelle abjection cette régularité!
Quel sommeil cet être ainsi!
Autrefois, lorsque j’étais un autre, il y avait des châteaux et des chevaliers
(Illustrations, peut-être, de quelque livre d’enfant),
Autrefois, quand j’étais fidèle à mon rêve,
Il y avait les grands paysages du Nord, explicites de neige,
Il y avait les grandes palmeraies du Sud, opulentes de verts.

Autrefois.

À côté, accompagnement banalement sinistre,
Le tic-tac éclaté des machines à écrire.

Nous avons tous deux vies:
La véritable, qui est celle à quoi rêvions dans l’enfance,
E que nous continuons de rêver, adultes dans un substrat de brume;
La fausse, qui est celle que nous vivons à vivre avec les autres,
Qui est la vie pratique, l’utile,
Celle dans laquelle on finit par nous mettre dans un cercueil.

Dans l’autre il n’y a pas de cercueils, ni de morts,
Il y a seulement les illustrations de l’enfance;
Grands livres colorés, pour voir et non lire;
Grandes pages de couleurs pour se souvenir plus tard.
Dans l’autre nous sommes nous,
Dans l’autre nous vivons;
Dans celle-ci nous mourrons, qui est ce que vivre veut dire,
En ce moment, à cause de la nausée, je vis dans l’autre.

Mais à côté, accompagnement banalement sinistre,
Le tic-tac éclaté des machines à écrire.

Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projecto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjecção esta regularidade!
Que sono este ser assim!
Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro.
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.

Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra…

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro.
Ergue a voz o tic-tac estalado das máquinas de escrever.

(source)

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